O SAL DA TERRA
- Pote de Conserva
- 28 de fev. de 2017
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“Vocês são o sal da terra. Mas se o sal perder o seu sabor, como restaurá-lo? Não servirá para nada, exceto para ser jogado fora e pisado pelos homens” – Mateus 5:13
Eu estava reclamando muito do mertiolate ardente que minha mãe estava passando no meu joelho ralado e meu pai ria-se com a cena. Eu era criança e fiquei indignada com sua total falta de sensibilidade quando ele contou uma história de quando ele era mais novo. Ele brincava de futebol na rua quando arrancou o tampão do dedo no asfalto. Correu para casa chorando e mostrou o machucado para minha avó, que lavou com água corrente e fez algo muito pior que passar mertiolate ardido nele. Ela foi ao armário da cozinha e pegou um punhadinho de sal e jogo no machucado do filho. Ele contou rindo, mas há alguns anos ele havia chorado por isso. O simples imaginar de minha mãe jogando sal em meu joelho ralado me dava calafrios, num machucado com o de meu pai então... Talvez eu não conseguisse suportar tanta dor.
Isso provavelmente aconteceu com muitos outros meninos e meninas dos anos mil novecentos e bolinha, quando o mertiolate era caro para os mais simples, e deveria continuar acontecendo.
O maior Mestre que este mundo já conheceu, Jesus Cristo, nos chamou de sal da terra. O sal serve para salgar o alimento, para temperá-lo. Quando comemos dele, temos sede. A metáfora aqui para o “sal da terra” é que nós somos semeadores da Palavra de Deus na vida de nossos próximos. Nosso dever, de ir por todo mundo e anunciar o evangelho a toda a criatura é de mostrar a humanidade a verdade de Deus, para que assim como buscamos água quando temos sede, também busquemos e levemos outros a buscar um relacionamento com a água viva que é o Cristo.
Mas salgar não é a única função do sal. Ele também serve para estancar o sangue de ferimentos.
Na história que meu pai me contou sobre o dia em que arrancou o tampão do dedo, disse que quando sua mãe lavou o machucado e jogou um pouco de sal sobre o mesmo ele sentira uma dor beirando o insuportável. A ardência que o sal causava sobre a carne ferida era quase tão dolorosa quanto o ferimento em si, mas que ele suportava porque entendia que era melhor sentir um pouco de dor que continuar perdendo sangue.
Pensando em nossa função como “salgadores”, a analogia que Cristo fez é mais profunda que parece. É que além de salgar nós devemos servir para estancar o pecado e a mentira do mundo com o evangelho o qual pregamos. E ainda mais, não devemos suavizá-lo, mas deixá-lo arder.
A verdade é que o evangelho não é fácil. Ele não é fácil porque fala de santidade, de buscar coisas espirituais em vez das carnais, de irmos contra nossa própria natureza. Ele trata de arrependimento e de abandonar o velho homem (Mt 4:17). É difícil pois nossa natureza é carnal e pecaminosa e só buscamos o que é mau (Rm 7:18). E nos coloca como condição para agradar a Deus a nossa mudança verdadeira (Rm 8:8).
“Nunca suavize o evangelho. Se a verdade ofende, então deixe que ofenda. As pessoas passam toda a sua vida ofendendo a Deus; deixe que se ofendam por um momento.”- John Macarthur
Há hoje em dia uma “açucarização” do evangelho. O politicamente correto – e não falo de política exatamente, mas das interações sociais – que vem sendo cultivado em nossa sociedade nos faz levar ao mundo um evangelho suavizado, que não trata de arrependimento, mudança de vida, mas de um Deus que aceita nosso serviço a Ele de qualquer forma. É o “eu te perdoo” mas sem a parte do “vá e não peques mais”. Nesse evangelho de açúcar, não é necessária a mudança de vida, não é necessário o arrependimento e o coração contrito, basta o famoso “só Deus pode me julgar”. E isso é o contrário da verdadeira mensagem de Cristo. É desse tipo de mensagem que Paulo trata em sua carta aos Gálatas 1:6-10.
Se somos sal e o evangelho é duro, que ele arda! Pois do ardor vem a cura. Quando o sal é jogado no machucado ele arde, sentimos a queimação, mas o sangue é estancado. Ele permite uma cicatrização mais rápida. O sangue a ser estancado é o pecado. A ferida a ser sarada é a iniquidade, a maldade. Nossa missão é sermos sal para levar a Palavra de Deus e para que ela possa surtir efeito nos corações das pessoas, curando feridas, limpando o pecado, ardendo como a verdade.
O ‘evangeliquês’ e sua pregação moderna é carregado do “Não julgueis para não serdes julgados”, não para introduzir o que Jesus ensina em Mateus 7:1, mas para eximir do arrependimento aquele que ouve a Palavra. Essa nova apresentação do evangelho é benéfica somente a quem o prega, pois este é recebido com flores, mas acaba por condenar quem o recebe. A verdade do evangelho de Cristo, a sua Palavra, não pode ser suavizada para alcançar as pessoas, ela tem de ser dita como é para que essas pessoas sejam salvas por ela, para que se apaixonem pelo que ela é.
Quando Cristo é questionado a respeito do maior mandamento de todos (Mt 22:34-40) e diz “Ame ao Senhor, o teu Deus, de todo o vosso entendimento” e “Ame o teu próximo como a ti mesmo” – mais especificamente sobre o segundo mandamento – Ele, de maneira alguma, nos livra do dever de exortar uns aos outros, de maneira a corrigir nossos irmãos e alertá-los a cerca do pecado, a questão é: isso deve ser feito em amor (Hb 3:13).
E o que é a exortação em amor? É animar nossos irmãos. É ensiná-los, sem julgamento pela carne, mas pelo espírito, de que há um pecado e que ele precisa acabar. É dizer que Deus pode perdoá-lo desde que o coração dele esteja verdadeiramente disposto a se arrepender, a tentar viver em santidade. A exortação não é julgamento, ela é uma prova de amor e cumprimento do maior mandamento de todos. Quando um pai vê seu filho fazendo algo errado, ele o corrige para seu bem, porque não quer que ele sofra no futuro, ele faz porque o ama. É assim que Deus faz conosco também (Hb 13:5-6). Da mesma forma, se amamos nossos irmãos é nosso dever oferecer nossa ajuda, nossa oração. É nosso dever orientá-los para que não pequem, para o bem deles.
Ora, Deus nos recebe como estamos. Ele nos chama da maneira como estamos. Quando Pedro fora chamado por Jesus ele estava no meio de seu trabalho e apenas foi. Mas a partir do momento em que aceitou a missão de Cristo ele não poderia continuar como estava. Ser um pescador não era mais sua tarefa. A partir daquele momento ele era um servo do Senhor, um pescador de almas para o Reino de Deus. É a mudança. Quando aceitamos ser servos de Cristo não podemos continuar como éramos antes. Não podemos continuar no mesmo pecado como se nada tivesse acontecido porque aconteceu. Se não houver mudança não há salvação, não há encontro verdadeiro com Deus. E se não há mudança é porque não houve verdadeira conversão pela verdade da Palavra do Senhor. Significa que ela não ardeu em você, que ela não salgou sua ferida.
Há outro problema: as pessoas preferem ouvir uma mentira reconfortante e que as leve para o inferno do que uma verdade dura que as conduza a vida eterna. Preferem acreditar no evangelho falso, em que não é preciso a remissão dos pecados, apenas a suposta entrega. Não querem sofrer pelo evangelho. Não querem ser tratadas, restauradas, reconstruídas porque isso dói. Isso fere a carne. Nossa natureza pecaminosa odeia ser corrigida, odeia ouvir a verdade.
Irmãos, não preguemos esse evangelho de açúcar, porque ele é a mentira. Se somos sal, que cumpramos nossa missão e salguemos, ardamos e procuremos estancar o pecado com a verdade da Palavra de Deus. Que falemos do verdadeiro evangelho, da luz e da paz. Aquele que dói e que machuca – primeiro a nós mesmos –, mas que nos transforma e nos dá esperança de que o que passamos no mundo, tudo a que abdicamos, é por amor a Deus e pela vida eterna que nos espera. É pelo retorno ao lar. Se a mensagem de Cristo e seu sacrifício não forem suficientes para atrair a atenção das pessoas, nada mais será. É melhor sofrer na Terra por causa do evangelho que sofrer no inferno por não tê-lo pregado direito (Mt 5:11-12).
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